DOI-Codi no Rio tinha salas de tortura “caixinha de música” e “boate”

O imóvel de dois andares onde ainda hoje funciona o PIC (Pelotão de Investigações Criminais), que durante o regime militar — entre os anos de 1969 e 1985– abrigou o DOI-Codi (Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna), no 1º Batalhão de Polícia do Exército, no bairro da Tijuca, zona norte do Rio de Janeiro, possuía salas preparadas especialmente para que os presos políticos da época fossem torturados.

Parlamentares federais da Comissão da Verdade e representantes do Ministério Público visitam o prédio onde funcionava o DOI-Codi

Parlamentares federais da Comissão da Verdade e representantes do Ministério Público visitam o prédio onde funcionava o DOI-Codi

Em uma delas, conhecida como “geladeira” ou “caixinha de música”, o detento ficava isolado em um ambiente de baixíssima temperatura, e era obrigado a escutar um barulho que se assemelhava ao som emitido por uma turbina de avião. O relato é de Cid Benjamin, que ficou preso no DOI-Codi durante quase dois meses em 1970, e hoje trabalha no setor de comunicação da Comissão da Verdade do Rio.

Já a última sala à direita do corredor principal do prédio era conhecida como “boate” ou “sala roxa” em função de um jogo de luzes que davam ao ambiente um “tom macabro”. Lá, de acordo com Álvaro Caldas, membro da Comissão da Verdade, centenas de pessoas foram torturadas.

“Podem ter mudado um pouco da configuração arquitetônica, mas tudo continua lá. Eu reconheci o local. O corredor principal, as celas que estavam à minha direita, as salas de tortura, inclusive a chamada sala roxa, continuam lá”, disse. “Eu reconheci o local onde eu fui preso e torturado.”

Em sessão das comissões Nacional e Estadual da Verdade no Rio, o advogado José Carlos Tórtima (à direita) acusa o major Walter Jacarandá de tê-lo torturado durante a ditadura militar (1964 – 1985). “Nunca é tarde, major, para o senhor se conciliar com essa sociedade ultrajada por essas barbaridades que pessoas como o senhor cometeram”, afirmou Tórtima. O militar admitiu ter participado de sessões de tortura no DOI-Codi, no Rio. Foram ouvidos seis ex-presos políticos que foram presos e torturados nas dependências do DOI-Codi, localizado na rua Barão de Mesquita, na Tijuca. A audiência pública tratou da morte, no mesmo local, de Mário Alves, líder do PCBR (Partido Comunista Brasileiro Revolucionário), em 1970 Thiago Vilela/CNV

Caldas visitou o prédio do antigo DOI-Codi na manhã desta segunda-feira (23), acompanhado de políticos e membros das esferas federal e estadual da Comissão da Verdade. Segundo o senador João Capiberibe (PSB-AP), presidente da subcomissão da Verdade e Justiça no Senado, a visita fez com que a comissão “se aproximasse” das Forças Armadas.

Capiberibe disse ainda que os trabalhos da Comissão da Verdade serão “fundamentais” no sentido de fomentar o debate acerca do “reconhecimento pelo Exército da memória da ditadura”.

De acordo com o relato de Benjamin, o primeiro andar do DOI-Codi tinha cinco celas –entre as quais as salas de tortura– destinadas aos presos que eram submetidos ao regime de solitária. Os espaços de tortura ficavam à direita.

O segundo andar, por sua vez, era onde ficavam as celas coletivas. “Mandavam pra lá os presos que já tinham participado de interrogatório ou os casos menos importantes”, lembrou Benjamin.
“Reconciliação”

O senador Randolfe Rodrigues (PSOL-AP), vice-presidente da subcomissão de Verdade e Justiça, afirmou ao fim da visita que a atividade de hoje foi o “início da verdadeira reconciliação nacional”, pois “não se pode virar uma página que não foi lida”.

“Saímos daqui com o sentimento de missão cumprida. Visitamos o espaço que foi um dos principais centros de tortura da ditadura militar. E saímos conscientes de que esse é o início da verdadeira reconciliação nacional”, disse. “Nenhum dos países que passou por períodos tortuosos e de estado de exceção conseguiu se reconciliar sem antes buscar a verdade.”

Antes de entrar no 1º Batalhão de Polícia do Exército, Rodrigues se envolveu em uma confusão com o deputado federal Jair Bolsonaro (PP), parlamentar que se diz contrário à Comissão da Verdade, e que tentou acompanhar, em vão, a visita ao prédio do DOI-Codi.

Capiberibe lembrou que, logo após a formação da Comissão a Verdade, o Exército se negou a dar informações sobre o período da ditadura militar. O senador afirmou que o comandante-geral do Exército e o ministro da Defesa, Celso Amorim, serão chamados em breve para um debate mais aprofundado sobre a atuação dos militares após o Golpe de 1964.

“O fato de nos negar informação histórica mostra que existe um tabu. E que cabe a nós rompermos esse tabu dentro do Exército. Vamos procurar o comandante do Exército para temos uma discussão sobre o reconhecimento pelo Exército, e não apenas pela sociedade, de que nós vivemos uma página cruel de repressão e violência”, declarou.

“Vivi nove anos no exílio, e o que se sabia sobre o Brasil? Era a terra do Pelé e das mulatas. Hoje a democracia colocou o Brasil na agenda global, na agenda da economia, na agenda social e na agenda de mudanças”, disse Capiberibe. “A democracia vale a pena.”

Fonte- UOL

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