Justiça mantém nova versão no óbito de Vlado

O corregedor-geral do Tribunal de Justiça de São Paulo, desembargador José Renato Nalini, rejeitou recurso administrativo do Ministério Público e determinou retificação do registro de óbito do jornalista Vladimir Herzog, assassinaherzog_arquivodo em outubro de 1975 na sede do DOI-Codi, núcleo da repressão militar instalado no antigo e consta como causa do óbito “asfixia mecânica por enforcamento” será lançado que Herzog teve “morte por decorrência de lesões e maus tratos sofridos durante interrogatório em dependência do II Exército (DOI/Codi)”.

Na sentença, Nalini repudia o que classifica de anacronismo do universo jurídico e “arcaica visão do papel dos registros públicos”, assevera que “a verdade não pode ser oculta” e prega transparência como um dos valores republicanos. “Uma Constituição que erigiu como supraprincípio a dignidade humana, reclama interpretação a partir do eixo dos direitos fundamentais e dos princípios sobre que se baseia a República.”

“O compromisso dos Registros Públicos é com a verdade real”, adverte Nalini. “O anacronismo da cultura jurídica ainda não se compenetrou de todo com a atual realidade brasileira, resultado da opção constituinte por verdadeira constitucionalização da ordem jurídica.”

Para o corregedor, “a ordem cidadã impõe-se e prepondera sobre o fetiche da lei”. “Significa que a interpretação das leis se fará conforme a Constituição. Ou seja: ‘de todas as interpretações possíveis de uma lei, o juiII Exército. No documento, ondz deve descartar todas aquelas que vulnerem (ou que sejam incompatíveis) com a Constituição’.”

Verdade. A retificação no registro da morte de Herzog foi comunicada pela Comissão Nacional da Verdade à 2.ª Vara de Registros Públicos da Capital. O pedido foi instruído com requerimento da viúva, Clarice Herzog, que juntou a célebre sentença do juiz federal Márcio José de Moraes que, em 1978, condenou a União pela morte do jornalista.

O juiz Márcio Martins Bonilha Filho acolheu o pleito e ordenou a retificação. A promotoria recorreu para exclusão da expressão “lesões e maus tratos”, alegando que a alteração “desatende a Lei de Registros Públicos”.

“A verdade pode machucar, mas ela não pode ser oculta”, alerta Nalini, que manda fazer valer a decisão de primeiro grau. “O prestígio exagerado da forma fez do universo jurídico uma seara propícia a representar um cenário de ficção. Desde o asserto ‘o que não está nos autos não está no mundo’ ao paroxismo de determinados institutos quais a prescrição, a decadência, a preclusão e análogos, até o declarado objetivo de se buscar segurança jurídica e não a utopia da justiça, tudo contribui para que no território do direito prevaleça a versão, com sacrifício do fato.”

Ele observa que a verdade se contrapõe ao erro. “A retificação do assento restabelece a verdade real. O assento passa a corresponder à mais absoluta verdade. Uma Constituição que erigiu como supraprincípio a dignidade humana reclama interpretação a partir do eixo dos direitos fundamentais e dos princípios sobre que se baseia a República.”

“A inserção no assento de óbito de uma causa para a morte de Vladimir Herzog (“asfixia mecânica por enforcamento”) atendeu às formalidades legais”, sentencia o corregedor. “Mas ela traduz o que de fato ocorreu nas dependências estatais onde ele foi morto? Por que sacrificar a verdade à forma? Não é essa a vontade fundante que consagra a transparência como um dos valores republicanos, estratégia pedagógica para que novos atos que envergonham a espécie humana sejam banidos do convívio democrático.”

Fonte- O Estado de S. Paulo

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