NOTA DE APOIO AO RECURSO EM SENTIDO ESTRITO Nº 2012.61.81.004204-9 RELATOR: DES. FED. PEIXOTO JUNIOR – 2ª TURMA –TRF3

FÓRUM PARANAENSE DE RESGATE DA VERDADE, MEMÓRIA E JUSTIÇA

 

NOTA DE APOIO AO RECURSO EM SENTIDO ESTRITO  Nº 2012.61.81.004204-9

RELATOR: DES. FED. PEIXOTO JUNIOR – 2ª TURMA –TRF3

 

O FÓRUM PARANAENSE DE RESGATE DA VERDADE, MEMÓRIA E JUSTIÇA vem a público manifestar seu apoio ao recurso interposto pelo Ministério Público Federal na Ação Penal n.° 0004204-32.2012.4.03.6181, na qual foram denunciados CARLOS ALBERTO BRILHANTE USTRA e DIRCEU GRAVINA, pela prática do crime previsto no artigo 148, §2º, c/c artigo 29, ambos do Código Penal.

Os integrantes do Fórum Paranaense de Resgate da Verdade, Memória e Justiça consideram que a decisão do Juiz Federal Márcio Rached Millani, que rejeitou a denúncia contra CARLOS ALBERTO BRILHANTE USTRA e DIRCEU GRAVINA, pelo crime de sequestro qualificado contra a vítima Aluízio Palhano Pedreira Ferreira, merece ser reformada pelo Tribunal Regional Federal – 3ª Região e, por conseqüência, ser recebida a denúncia, inicialmente, oferecida.

Causa preocupação que o Poder Judiciário brasileiro venha reiteradamente desatendendo a Convenção Americana de Direitos Humanos (“Pacto de São José da Costa Rica”), que impõe o dever de adotar, no direito interno, as medidas necessárias ao fiel cumprimento das obrigações assumidas internacionalmente.

Aos denunciados é imputada a prática de crime de lesa-humanidade, “visto que desde o dia 06 de maio de 1971 até a presente data, em contexto de ataque estatal generalizado e sistemático contra a população civil – com pleno conhecimento das circunstâncias deste ataque -, previamente ajustados e mediante unidade de desígnios entre si e com outros agentes estatais ainda não totalmente identificados, privam ilegalmente a vítima Aluízio Palhano Pedreira Ferreira de sua liberdade, mediante sequestro. Consta ainda que Aluízio Palhano Pedreira Ferreira, em razão da natureza lícita da detenção e dos maus-tratos provocados pelo denunciado DIRCEU GRAVINA, sob o comando e aquiescência do denunciado CARLOS ALBERTO BRILHANTE USTRA, padeceu de gravíssimo sofrimento físico e moral.”

O “sequestro e a manutenção ilegal de suspeitos em centros de repressão política, por período indeterminado; o uso generalizado de aberrantes formas de tortura/maus-tratos como forma de obtenção de informações; o ‘desaparecimento’ e a execução sumária de dissidentes políticos (muitos, inclusive, que jamais pegaram em armas); e outros fatos notórios que não são objeto da denúncia, mas que já foram inclusive reconhecidos por sentenças judiciais cíveis, todos estes atos fazem parte de um sistema de repressão política a dissidentes que operava contra o regime constitucional democrático anterior ao golpe de Estado promovido em 31 de março de 1964, contra o Presidente eleito, e contra a própria Emenda Constitucional outorgada de 1969”[1].

O desaparecimento forçado de Aluízio Palhano Pedreira Ferreira, praticado por agentes do Estado, subsume-se à categoria dos delitos de lesa-humanidade, com caráter jus cogens, desde o fim da 2ª Guerra Mundial, com a  Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Conforme reiteradas decisões da Corte Interamericana de Direitos Humanos, as graves violações aos direitos humanos que configuram crimes contra a humanidade são caracterizadas pela prática de atos desumanos, como o homicídio, a tortura, as execuções sumárias, extralegais ou arbitrárias, e os desaparecimentos forçados, cometidos em contexto de ataque generalizado e sistemático contra uma população civil, em tempo de guerra ou paz.

Os crimes contra a humanidade são reconhecidamente imprescritíveis e insuscetíveis de anistia.

Ademais, em 2010, o Brasil já foi condenado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos no caso Gomes Lund (“Guerrilha do Araguaia”), ocasião em que a Corte afastou os efeitos da Lei da Anistia brasileira e recomendou ao Brasil a não mais invocá-la como óbice à investigação de casos de graves violações de direitos humanos.

 

Assim, considerou que as disposições da Lei de Anistia brasileira “que impedem a investigação e sanção de graves violações de direitos humanos carecem de efeitos jurídicos. Em consequência, não podem continuar a representar um obstáculo para a investigação dos fatos do presente caso, nem para a identificação e punição dos responsáveis, nem podem ter igual ou similar impacto sobre outros casos de graves violações de direitos humanos consagrados na Convenção Americana ocorridos no Brasil”.

E, nessa linha, lembra-se que a Corte Interamericana afirma a supremacia das normas de direito internacional de direitos humanos, independentemente de nacionalidade, bem como o princípio da primazia da norma mais favorável à vítima[2].

O cumprimento da decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos há de ser promovido pelo Brasil, reformando-se a decisão ora combatida, sob pena de que o Estado brasileiro continue em mora com o sistema internacional até a implementação da sentença da Corte.

Importante mencionar, ainda, que, no caso Gomes Lund (“Guerrilha do Araguaia”), a Corte fez consignar que “o desaparecimento forçado tem caráter permanente e persiste enquanto não se conheça o paradeiro da vítima ou se encontrem seus restos, de modo que se determine com certeza sua identidade[3].

Registre-se, também, que o Supremo Tribunal Federal entendeu por ocasião do julgamento das Extradições n.° 974[4] e n.° 1150, que o indivíduo vitimado em circunstâncias tais como as descritas na inicial, sem que se tenha, após vários anos, vestígios de sua morte ou indicativo de retorno ao seio social, pode estar ainda sujeito ao cárcere. Dessa forma, tem-se o reconhecimento pelo Supremo Tribunal Federal de que a ausência da confirmação da morte permite o recebimento da denúncia pelo crime de sequestro.

Ademais, ainda que se entenda pela prevalência da abstrata presunção de morte da vítima, certo é que esta se deu no ano de 1995, com a promulgação da Lei n.° 9.140/95, quando já vigorava a previsão de imprescritibilidade contida no artigo 5º, inciso XLIV, da Constituição da República.

Por todo exposto, ao tempo em que apoia o entendimento de que os crimes praticados pelos denunciados CARLOS ALBERTO BRILHANTE USTRA e DIRCEU GRAVINA são crimes contra a humanidade e, portanto, imprescritíveis, o Fórum Paranaense de Resgate da Memória, Verdade e Justiça pede que os Desembargadores Federais integrantes da Segunda Turma do Tribunal Federal Regional – 3ª Região julguem pelo provimento do Recurso em Sentido Estrito n.° 2012.61.81.004204-9, recebendo a denúncia oferecida pelo Ministério Público Federal e, por consequência, instaurem a devida ação penal, respeitando a Convenção Americana de Direitos Humanos, da qual a República Federativa do Brasil é signatária.

 

 



[1] Ação Penal n.° 0004204-32.2012.4.03.6181

[2] Convenção Interamericana: Artigo 68.1: “Os Estados-Partes na Convenção comprometem-se a cumprir a decisão da Corte em todo caso em que forem partes.

[3] 103. Adicionalmente, no Direito Internacional, a jurisprudência deste Tribunal foi precursora da consolidação de uma perspectiva abrangente da gravidade e do caráter continuado ou permanente da figura do desaparecimento forçado de pessoas, na qual o ato de desaparecimento e sua execução se iniciam com a privação da liberdade da pessoa e a subsequente falta de informação sobre seu destino, e permanece enquanto não se conheça o paradeiro da pessoa desaparecida e se determine com certeza sua identidade.Em conformidade com todo o exposto, a Corte reiterou que o desaparecimento forçado constitui uma violação múltipla de vários direitos protegidos pela Convenção Americana, que coloca a vítima em um estado de completa desproteção e acarreta outras violações conexas, sendo especialmente grave quando faz parte de um padrão sistemático ou prática aplicada ou tolerada pelo Estado.

[4] EMENTA: EXTRADIÇÃO. ARGENTINA. TRATADO BILATERAL. ATENDIMENTO AOS REQUISITOS FORMAIS. ADITAMENTO QUANTO AO CRIME DE SEQUESTRO DE MENOR. DUPLA TIPICIDADE. CONFIGURAÇÃO PARCIAL. PRESCRIÇÃO. INOCORRÊNCIA. PEDIDO EXTRADICIONAL PARCIALMENTE DEFERIDO. I – O Decreto 1.003/89, expedido pelo Governo da Argentina, foi declarado inconstitucional pela Corte Suprema de Justicia de La Nación, em 25/7/2006, razão pela qual não se presta a afastar o exame das condutas supostamente cometidas pelo extraditando. II – Crime de sequestro de menor que, em tese, subsiste. III – Delito que encontra correspondência no ordenamento jurídico pátrio. IV – Extradição deferida em parte. (Ext 974, Relator(a):  Min. MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão:  Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Tribunal Pleno, julgado em 06/08/2009, DJe-228 DIVULG 03-12-2009 PUBLIC 04-12-2009 EMENT VOL-02385-01 PP-00001)

 

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