1964: O Golpe que começou com uma mentira

marciokUm golpe militar nunca terá apoio popular, justamente porque é golpe e não revolução. Nós cientistas sociais e também os historiadores e estudiosos dos períodos de exceção, podemos dizer bem melhor qual é a diferença entre um e outro.

Porém, o grande fato é que o golpe militar no Brasil já tinha contido em si a semente da mentira. Mentira em querer se passar por revolução, mentira em querer se apresentar somente como um golpe militar, escondendo sua faceta civil, que tinha todo apoio de muitos setores do empresariado e dos grandes latifundiários.

O golpe que de fato ganha as ruas no dia 1º de abril tem os papéis que o legitimaram assinados mentirosamente com a data do dia 31 de abril de 1964 para que não caísse em descrédito nos meios de comunicação. Primeira grande mentira.

Assim como muitas outras que perduraram durante todos os dias que duraram o regime de exceção, foram regados por sucessões de mentiras, de sonegação de informações, de coisas e fatos forjados para justificar que pessoas fossem tiradas do seu lar, dos seus lugares de convívios, dos seus locais de trabalho.

Essas mentiras, esses forjamentos de fatos, fizeram com que a vida de milhares de famílias em diversas partes do País tivessem suas rotinas reviradas pela ausência de seus mantenedores e mantenedoras, tiveram suas situação financeiras bagunçadas porque os que proviam o sustento foram violentamente tirados do seio familiar.

Interrompendo muitas carreiras, muitos sonhos, muitos projetos de vida que eram idealizados num Brasil que vinha num franco processo de crescimento econômico, resultado do nacional desenvolvimentismo das décadas anteriores, que se não fosse interrompido iria conduzir o Brasil para um processo de desenvolvimento sem precedentes para a época. Consolidando inclusive a possibilidade de mudança do Brasil no cenário geopolítico vigente. Claro que as ditas “forças ocultas” não permitiriam que o Brasil fosse autônomo e independente e ainda mais que pudesse estar perfilado em outro bloco geopolítico.

Portanto o dia 1º de abril, data verdadeira do golpe militar, deixou profundas e sérias cicatrizes na sociedade brasileira, muitas delas abertas até os dias de hoje, para muitas pessoas, para muitas famílias, para muitos estudantes, para muitos trabalhadores e trabalhadoras. Pois, colocou o País a mergulhar num mar de mentiras, de desaparecimentos forçados, de torturas descabidas e de mortes sem a menor explicação razoável.

E o pior de tudo é que uma ditadura quando não se sustenta de forma política com o resguardo das armas passa a ter as armas como sustentação. E foi o que aconteceu em 1968, quando a violência do golpe se aprofunda, a justiça falha que havia na época, que pelo menos dava endereço aos que eram tirados do aconchego dos seus lares e da responsabilidade de seus afazeres, acabou. A partir do Ato Institucional nº 5, o AI-5, a escuridão de informações estava instalada no Brasil, pessoas sumiam e ninguém sabia do paradeiro dessas pessoas, inclusive muitas delas até hoje ainda não se sabe o paradeiro ou que de fato aconteceu com elas. Mortos, desaparecidos, torturados, fichados de subversivos começaram a lotar as delegacias de ordem políticas e social os vulgarmente conhecidos DOPS. Foram impedidos de trabalhar, de frequentar os bancos escolares, de lecionar em escolas, faculdades e universidades.

Esse foi o resultado do Golpe da mentira, Pois a data oficial do golpe é o dia 1º de abril de 1964. Como dizem, foi uma mentira sustentada por 21 anos as custa de bravos lutadores do povo brasileiro que não deixaram que a mentira se tornassem verdade. Resistiram bravamente com a americanização de nosso continente. Ergueram sua voz para dizer que a violência não tem espaço nos regimes democraticamente constituídos.

E em nome desses heróis que se levantaram contra a mentira é que precisamos que se reestabeleça a verdade. Que possamos saber onde se encontram os restos mortais de homens e mulheres que ousaram ser contra o Golpe da Mentira. Precisamos restabelecer a verdade para que seus descendentes possam em paz exaltar suas memórias. Memórias que até hoje são impregnadas pela incerteza do que aconteceu. Precisamos restabelecer a dignidade para aqueles que sofreram perdas irreparáveis impostas pelo regime de exceção por suspeitas de ligação subversiva a que foram condenados. Precisamos contar a verdade sobre os supostos heróis de uma revolução que não aconteceu, pois era mentira, e na verdade foi um golpe. Golpe frontal e direto contra a democracia, contra o direito de escolha de um povo, contra sua vontade soberana de designar os rumos da construção do País onde trabalham, vivem e constituíram família.

A essas pessoas e a essas famílias o estado brasileiro deve desculpas pela violência cometida, pelos assassinatos cometidos, pelos 21 anos de intensas e repetidas mentiras sobre o que foi feito com aqueles que não cederam a grande mentira imposta aos brasileiros no dia 01 de abril de 1964.

Marcio Kieller é vice-presidente da CUT/PR,  Membro do Comissão Estadual da Verdade e diretor sindicato dos Bancários de Curitiba e Região

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