Há 50 anos, eles já protestavam. Hoje, comemoram a volta às ruas

Eles participaram das principais manifestações contra a Ditadura Militar, em Vitória e em outros Estados, viveram na pele a tortura e a repressão da polícia, e hoje comemoram a volta da população às ruas. Líderes estudantis nas décadas de 60 e 70, Iran Caetano, 67 anos, Jussara Martins Albernaz, 66, e Francisco Celso Calmon, 65, analisam a potência que voltou a brotar das ruas. “Não era essa a juventude que diziam que só ficava no Facebook?”, provoca Jussara, que f

Jussara Martins foi vice- presidente da Une na época da ditadura.

Jussara Martins foi vice- presidente da Une na época da ditadura.

oi vice-presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE).

Impressionados com o que têm acompanhado ao longo das últimas semanas, eles se reconhecem nos jovens de hoje, que saem de casa com seus cartazes para dizer o que está entalado na garganta, e dizem que as ações da polícia são uma herança da repressão que viveram.

O momento político é outro, claro, mas até mesmo algumas bandeiras são iguais às do passado, como explica Chico Celso – como é mais conhecido o atual dirigente estadual do PT e coordenador do Fórum Direito à Memória e à Verdade.
Passe livre
“Naquela época, pouco antes do Golpe de 64, já reivindicávamos o passe livre para os ônibus e bondes de Vitória. A questão do transporte público sempre mobilizou os estudantes, porque sempre houve superlotação e tarifas altas”, diz.

Chico foi membro do grêmio estudantil do Colégio Estadual e também atuou na União Estadual dos Estudantes Secundaristas. Conta que, na época, também lutou para que o colégio tivesse uma banda de fanfarra. “Assim como hoje, tinhamos as bandeiras de luta gerais e as mais específicas”, explica.

Repressão
Mudou-se para o Rio de Janeiro aos 17 anos, um ano após o golpe militar, e lá conheceu a repressão violenta. Foi preso em 1969 e ficou em cárcere privado por um ano. Sofreu torturas físicas e psicológicas até ser solto para tratar-se de uma hepatite.

Para ele, as ações de repressão da Polícia Militar de agora mostram claramente que ela não está preparada para respeitar os direitos do cidadão. “A PM é um

a das piores heranças da Ditadura Militar. Foi estruturada para a guerra e não para respeitar o estado democrático. Reage e provoca reações de guerra nas ruas”.

Chico conta que sofreu muito, mas que nunca abandonou a utopia de viver em um mundo igualitário, justo e solidário. “Quando vejo as manifestações de hoje, penso que tudo o que passei valeu a pena. As pessoas estão cansadas desse sistema político esclerosado e querem mais mecanismos de participação direta. O povo quer falar e está se fazendo ouvir. É um desejo de lutar que não deixa de ser uma herança do nosso tempo”, diz.

Hoje professora do programa de pós-graduação em Educação da Ufes, Jussara Martins conta que foi perseguida pela polícia e que chegou a sair do país para proteger-se do regime militar. Ela participou do histórico Congresso da UNE em Ibiúna (Minas Gerais), em outubro de 1968, onde foi presa com centenas de outros estudantes de todo o país.

“Essa foi só uma das várias vezes em que fui presa naquele período. Fui torturada e tive que me mudar diversas vezes. Nem mesmo andar na rua tranquilamente era possível”, diz.
No último dia 20, quando ocorreu a primeira manifestação em Vitória, ela foi à Ufes
acompanhar a movimentação das pessoas na concentração. “Fiquei impressionada de ver os jovens fazendo seus cartazes com tanta seriedade. Vejo muita contradição nas bandeiras do movimento, mas acho que, no fim, o que todo mundo dese

ja é que seus impostos sejam revertidos em qualidade de serviços. Agora, precisamos observar como tudo isso vai se traduzir nas próximas eleições”, diz.

Membro da direção estadual do PC do B, o médico Iran Caetano acredita que o movimento de agora não está prestes a acabar. “Há muitos proble

mas crônicos que precisam de solução no país, e talvez isso explique a falta de bandeiras orientadoras. Mas acredito que esse movimento vai amadurecer e render muitos outros frutos”.

Iran foi membro do Diretório Central dos Estudantes (DCE) da Ufes no final da década de 60 e perdeu as contas de quantas vezes foi preso durante o regime militar. “Fui obrigado a fugir por cinco anos. Morei em Minas Gerais, Rio de Janeiro, Belém do Pará e na floresta amazônica”, lembra.

Diz que esperava há muitos anos ver surgir o movimento de agora e que acredita na potência dele para promover a reforma política e melhorias na saúde e no transporte público. “Não coloco nossos problemas na conta de um ou outro presidente. Há muitas questões adormecidas há décadas, e essa é a hora de mudá-las”.

Fonte- Gazeta Online

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