MPF/GO e Comissão Nacional da Verdade investigam desaparecimento de corpos de militantes

Operação limpeza em 1980 sumiu com restos mortais de marcio beck machado - desaparecido - ficha dops - frente, enterrados clandestinamente numa fazenda em Rio Verde em 1973; médico que afirma ter atuado como legista foi ouvido pelo MPF e a CNV

A Comissão Nacional da Verdade e o Ministério Público Federal em Goiás investigam a operação limpeza realizada em 1980 para desaparecer com os corpos dos militantes do Movimento de Libertação Popular (Molipo), Maria Augusta Thomaz e Márcio Beck, assassinados numa operação militar em 17 de maio de 1973 e enterrados em uma cova clandestina no município de Rio Verde, no sudoeste de Goiás, no interior da fazenda em que os dois estavam escondidos desde o início daquele mês.

Os corpos foram enterrados no interior da fazenda no mesmo dia em que ocorreu o assassinato. Em 1980, quando familiares de Maria Augusta e jornalistas promoviam investigações para localizar os corpos em Rio Verde, os restos mortais foram desenterrados da propriedade rural e levados para outro local, desconhecido, por uma equipe federal.

O trabalho foi apressado e alguns dentes e pequenos fragmentos de ossos ficaram no local e foram encontrados e entregues para perícia em 1980, bem como alguns dos cartuchos de projéteis de arma de fogo encontrados na fazenda. O material está sendo procurado nos arquivos da Justiça Estadual de Goiás, mas ainda não foi localizado.

Depoimentos – Na segunda-feira, 16 de setembro, integrantes do GT Graves Violações de Direitos Humanos da CNV e o procurador da República Wilson Rocha Assis, da Procuradoria da República em Rio Verde, ouviram o caseiro Eurípedes João da Silva, de 62 anos, que participou do enterro de 1973.

Silva, Margarida Alair Cabral Faria e Pedro Bonifácio de Faria, filha e genro de Sebastião Cabral, dono da propriedade, também ouvidos pelo MPF e pela CNV. Os três confirmaram que o caseiro, o dono da fazenda e mais duas pessoas foram obrigados pelo coronel da PM Epaminondas Nascimento, que exercia a função de delegado em Rio Verde, a enterrar os corpos de Maria Augusta e Beck dentro da fazenda.

“Durante um mês meu sogro teve que dormir na delegacia e durante dois anos ele ficou afastado da propriedade. Não podia vir aqui”, contou Pedro. “Na inocência, a gente achava que era para proteger ele. Diziam que os terroristas poderiam voltar, mas, com o tempo, percebemos que era uma forma de seguir seus passos”, disse Margarida.

Cabral e a família sofreram com os prejuízos causados pela “interdição” da fazenda e por uma investigação pelo crime de ocultação de cadáver, que lhe custou muitas terras para pagar os honorários advocatícios. “Ele perdeu um terço das terras para pagar advogados”, contou o neto Pedro Bonifácio de Faria Filho. “Além disso diziam que a fazenda era assombrada. A gente tinha medo de vir aqui”, contou Ana Maria Cabral Faria, também neta de Cabral.

Eurípedes não esquece a cena que viu, no fim da tarde de 17 de maio de 1973. Ele recebeu ordens para retirar os corpos de Maria Augusta Thomaz e Márcio Beck de dentro do casebre em que eles moravam e foram mortos.

Lembrança – “O rapaz estava na cozinha e ela em cima da cama. Os tiros atingiram somente a parte de cima dos corpos. Havia muito sangue. O dela entrava no colchão e formou uma poça embaixo da cama”, afirmou. Segundo Eurípedes, sua esposa ficou traumatizada com o evento e foi internada. “A mulher acabou”, disse ele. “A gente peleja para esquecer, mas lembra”, afirma o caseiro, que levou a CNV e o MPF até a área onde ficava a casa e, dois quilômetros mais a frente, ao local do primeiro sepultamento do casal.

Margarida contou que “Neusa” e “Raimundo”, como Maria Augusta e Márcio eram conhecidos na fazenda, se afeiçoaram muito de seu filho mais velho, que os dois eram pessoas muito boas e que, apesar de terem se oferecido para serem meieiros na fazenda, era nítido que eram da cidade e que não tinham intimidade com a roça.

“Tudo o que queremos é poder dizer aos pais e aos parentes deles que nosso pai foi obrigado a fazer o que fez, que ele também foi prejudicado”, contou Margarida. Segundo a filha do dono da fazenda, sua mãe acendeu velas num colchete (porteira) da fazenda, mas foi recriminada pelos envolvidos no crime.

Pesquisadores do grupo de trabalho Graves Violações de Direitos Humanos da CNV localizaram no Arquivo Nacional um documento do Serviço Nacional de Informações (SNI) que dá informações sobre a busca dos familiares e jornalistas pelos corpos de Maria Augusta e Márcio e demonstra “preocupação” com a descoberta do paradeiro dos corpos e com o resultado das denúncias feitas por eles sobre o enterro clandestino e a operação limpeza.

O documento menciona que o SNI temia que autoridades e policiais militares que tinham conhecimento do enterro e da operação limpeza poderiam passar informações para a imprensa e para a Justiça, caso os jornalistas insistissem na busca por informações.

Na manhã dessa terça-feira, 17 de setembro, a CNV e o MPF ouviram o médico cardiologista Vicente Guerra, que entre 1970 e 1996 integrou o corpo médico da Polícia Militar de Goiás. Apesar de seu nome ser mencionado no documento do SNI como o de uma das pessoas que sabiam do local de sepultamento, Guerra nega ter participado do enterro, em 1973, e da operação limpeza, em 1980.

O médico afirma que foi levado à fazenda para analisar a cena do crime, de manhã, cerca de 6 horas após o que classificou de “barbárie”. Segundo ele, militares à paisana, provavelmente do Exército, comandaram o trabalho pericial e exigiam rapidez do médico, que afirma ter encontrado o corpo de Beck do lado de fora da casa e o de Maria Augusta ao lado da cama.

Segundo Guerra, houve um cerco a casa e foi usado armamento pesado pelas forças da repressão e um obus derrubou uma das paredes do casebre. Ele afirma ter sido intimado a ir ao local ver os corpos, acompanhado de um fotógrafo da cidade, cujo nome não se recorda, e elaborar um laudo.

De acordo com o médico, ele chamou um sargento para acompanha-lo. O ex-capitão médico afirma que Maria Augusta estava armada e que ela fez uma atadura no braço direito ferido e teria continuado a atirar com a mão esquerda. O médico afirma que a causa mortis foi hemorragia aguda causada por lesões perfuro-contusas de arma de fogo.

O médico da PM afirma que também esteve em Xambioá, palco da Guerrilha do Araguaia, em janeiro de 1973, onde atuou como médico nas comunidades locais a convite do Exército.

Fonte- Comissão Nacional da Verdade

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