Dalmo Dallari: Nunca houve acordo sobre perdão a torturadores

As iniciativas de revisão da Lei de Anistia – tanto o parecer do Procurador Geral da República, Rodrigo Janot, quanto a ação da OAB-nacional – reacendem a esperança de que, finalmente, a justiça seja feita em nome de todos os que sofreram violações aos direitos humanos durante o regime militar em nosso país.

dallari544Para avaliar a importância desta revisão, conversamos com um dos maiores nomes do Direito, o jurista Dalmo Dallari, que gentilmente nos concedeu a entrevista abaixo. Acompanhem.

Como o sr. avalia a discussão sobre a Lei de Anistia hoje?

[ Dalmo Dallari ] A questão encontra-se muito mal colocada do ponto de vista jurídico. Antes de mais nada, foi extremamente infeliz e juridicamente errada a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) ao considerar com base na Lei de Anistia os torturadores estavam anistiados. Este foi um erro jurídico extremamente sério. Compromissos internacionais do Brasil, inclusive com a Convenção Americana de Direitos Humanos, estabelecem que crimes contra a humanidade não são prescritíveis, ou seja, não são sujeitos de perdão e sempre será possível a punição.

A Lei de Anistia se aplica neste caso?

[ Dallari ] A Lei de Anistia não se aplica a esses crimes. Trata-se de um compromisso jurídico do Brasil. É importante ressaltar que o STF também usou o fundamento falso, infeliz. Na ocasião o relator, ministro Eros Graus, disse que a Lei de Anistia foi produto de um acordo. Isso é absolutamente errado. Naquele momento não havia acordo possível.

O que aconteceu foi que os que desejavam democracia e a punição dos culpados também queriam que os presos políticos fossem libertados e os exilados pudessem retornar ao Brasil. Com base da Lei de Anistia criava-se essa possibilidade, mas isso está muito longe de dizer que as pessoas que lutavam por isso estavam de acordo com o perdão dos torturadores. De maneira que foi falsa a sustentação do STF e juridicamente errada porque contrariou compromissos jurídicos do Brasil.

Como o sr. avalia as iniciativas recentes em torno da revisão da Lei de Anistia?

[ Dallari ] Excelentes. A revisão busca estabelecer a correta filiação do Brasil aos compromissos internacionais. Quando o STF julgou que os torturadores estavam anistiados, estava ofedendo dispositivos do direito internacional que o nosso país é obrigado a estabelecer. A rediscussão agora e a aplicação correta da Lei de Anistia recolocam o Brasil no campo jurídico internacional. É uma correção importante para que o país se alinhe em termos práticos com seus compromissos internacionais.

O parecer do Procurador Geral da República, Rodrigo Janot, colocou a questão nos termos corretos. Ao meu ver, nem é preciso alterar a Lei de Anistia, basta aplicar corretamente, ou seja, dentro dos limites estabelecidos pela Constituição e pelos compromissos internacionais estabelecidos pelo Brasil. Os torturadores não estão anistiados, não são beneficiados pela Lei de Anistia e não é preciso mudá-la para fazer este efeito. Basta fazer a aplicação correta para que eles possam ser punidos.

O sr. acredita que o STF possa mudar sua decisão agora?

[ Dallari ] É perfeitamente possível porque ainda existem caminhos que permitem a reabertura desta questão e a decisão anterior pode ser modificada. O Supremo hoje conta com uma composição diferente, há ministros que não estavam no Tribunal quando da primeira decisão. A questão posta hoje perante ao STF abre toda a possibilidade de revisão. É o legalmente correto e o juridicamente desejável. É o caminho.

 

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