Comissão da Verdade: “morte de Malhães apavorou muita gente”

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Fonte: Instituto João Goulart

publicada em 25 de julho de 2014

 

Comissão da Verdade: “morte de Malhães apavorou muita gente” 

 

Em pleno mutirão iniciado na última 2ª feira, a Comissão Nacional da Verdade (CNV) pretende ouvir nesta e nas próximas semanas o depoimento de 41 ex-agentes da ditadura militar. Ontem, inclusive, membros da CNV se reuniram com a ministra de Direitos Humanos, Ideli Salvatti e sugeriram a criação de um órgão federal que dê continuidade aos trabalhos do colegiado pós-16 de dezembro, quando ele entrega o relatório final de 2,5 anos de investigação à presidenta Dilma Rousseff.
Dentre eles, estava o ex-coordenador da CNV, José Carlos Dias, que admitir haver impacto da morte do coronel do Exército Paulo Malhães (assassinado em seu sítio no 1º semestre deste ano) em alguns ex-agentes, que ficaram com medo de depor. “A coincidência daquela morte foi estranha e serviu de estímulo para que muitos se recusassem a falar, a comparecer”, lamentou Dias. Os que têm medo acham que a morte de Malhães foi “queima de arquivo”.
“É o medo. Isso é muito significativo. Mas conseguimos saber muitas coisas e, cruzando com documentos, vamos apresentar um relatório substancioso”, complementou. A CNV já conversou, inclusive, com o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo e com o diretor da Polícia Federal (PF), Leandro Daiello, solicitando apoio à condução coercitiva dos ex-agentes que recusarem a comparecer às audiências.
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Investigações podem continuar
Já a proposta de um órgão federal para receber os trabalhos das comissões da verdade estaduais, municipais e de instituições, que tiverem prosseguimento após a Nacional encerrar suas atividades em dezembro, será encaminhada pela ministra Ideli a presidenta Dilma. A ideia é que essa entidade reúna as informações coletadas não apenas pela CNV, mas por toda a rede de comissões da Verdade criadas nos últimos anos em nosso país.
Como explica Paulo Sérgio Pinheiro, membro da CNV, também presente na reunião com a ministra, vários países do Cone Sul que passaram por ditaduras contam hoje com órgãos federais semelhantes, voltados a trabalhos desta natureza. “A CNV vai apresentar recomendações em seu relatório, então é importante começar a pensar além do legado para o Arquivo Nacional, para que todo o trabalho possa ser aproveitado”, justificou Pinheiro.
Neste mutirão, a CNV vai se debruçar, também, sobre o relatório da Comissão pela Memória da Província de Buenos Aires (CPM), “Víctimas del Terrorismo de Estado”, que traz informações sobre os desaparecidos brasileiros na Argentina, além de documentos sobre o monitoramento feito pelos órgãos da repressão daquele país sobre o ex-presidente João Goulart – o Jango – e mais seis argentinos presos no Brasil.
Apoio internacional
Outras graves violações contra os direitos humanos praticadas pela repressão, em colaboração, no Brasil e na Argentina, também serão analisadas. Como o desaparecimento dos uruguaios (filhos de brasileiros) Ary Cabrera Prates e Marcos Arocena; e dos brasileiros Daniel José de Carvalho, Joel José de Carvalho e do argentino José Lavecchia, desaparecidos no Parque Nacional de Foz do Iguaçu, em julho de 1974.
Os 43 documentos encaminhados pelos Estados Unidos também foram analisados pelos membros da CNV durante a reunião com a ministra Ideli. Os membros da CNV que foram ao Palácio do Planalto deram uma boa informação à ministra e ao país: os EUA vão continuar desclassificando documentos antes considerados sigilosos para entregá-los ao Brasil. O procedimento vai continuar, mesmo após o fim dos trabalhos da CNV.
“Fomos informados pela embaixadora dos Estados Unidos no Brasil, Liliana Ayalde, que o presidente Barack Obama manifestou interesse em dar continuidade à operação. Então, o processo de desclassificação de documentos nos EUA e envio para nós deve continuar. Devemos receber mais documentos no segundo semestre”, explicou o coordenador da CNV, Pedro Dallari.
Forças Armadas
Segundo os membros da CNV, além dos Estados Unidos e da Argentina, a CNV já recebeu documentos da Alemanha, República Tcheca, Itália, Santa Sé e França, além de organismos internacionais como a ONU e a Corte Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA).
“É constrangedor para a Comissão Nacional da Verdade ver tantos países cooperando enquanto as próprias Forças Armadas brasileiras se recusam a reconhecer que houve tortura em suas instalações”, criticou, coberto de razão, o professor Paulo Sérgio Pinheiro.
Também o coordenador da comissão, ex-deputado Pedro Dallari, criticou o fato de outros países estarem colaborando mais com a CNV do que as FFAA do Brasil. José Carlos Dias observou que “deveria ser constrangedor” para os militares verem alguns de seus integrantes serem levados coercitivamente para depor quando a instituição deveria ser a primeira a encaminhá-los para depoimento.

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