Rede Brasil-MVJ se reune no sul para discutir recomendações ao relatório final da Comissão Nacional da Verdade

A Rede Brasil – Memória, Verdade e Justiça se reúne neste fim de semana em  Curitiba-PR, onde  será feito um balanço crítico/autocrítico das deliberações que aconteceram na reunião de Vila Velha, um  debate sobre  a responsabilização dos agentes criminosos de lesa-humanidade e a lei da Anistia.

Os comitês populares de memória, verdade e justiça são iniciativas da sociedade civil, criadas em vários estados e municípios do Brasil para estimular medidas e políticas de memória, verdade e justiça. Foi através da iniciativa de se criar grupos organizados pela sociedade civil que surgiram algumas comissões estaduais da verdade e medidas de preservação da memória.

A Rede  Brasil Sul traz 19 sugestões ao relatório final da Comissão Nacional da Verdade ( veja abaixo a íntegra das recomendações), entre relatoriofinalelas, orientar o Estado Brasileiro, incluindo os três poderes, a cumprir integralmente a decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos no caso da guerrilha do Araguaia; investigação penal e responsabilização dos agentes públicos que praticaram crimes de lesa-humanidade;tipificação legal do crime de desaparecimento forçado;recomendar a urgente desmilitarização das policias brasileiras; recomendar a extinção da justiça militar; produção de leis e normas que proíbam utilização de nomes de agentes da ditadura em logradouros, monumentos e prédios públicos.

 

 

 Veja abaixo algumas das sugestões ao Relatório Final da Comissão Nacional da Verdade

 

1) Listar e descrever todas as modalidades e circunstâncias particulares das graves violações de Direitos Humanos praticadas pelo aparato repressivo e institucional da ditadura civil-militar brasileira, caracterizando este conjunto de maneira explícita  como “crimes de lesa-humanidade” praticados pelo Estado brasileiro e que, para serem praticados, deflagraram e perpetuaram de modo amplo o terrorismo de Estado na sociedade.

 

2) Orientar o Estado Brasileiro, incluindo-se aí todos os seus três poderes, executivo, legislativo e judiciário, a cumprir integralmente a decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos no Caso Guerrilha do Araguaia , pois, como se não bastasse o dever jurídico de obedecer às determinações da Corte Internacional, vislumbra-se que as diferentes determinações estabelecidas na sentença apontam para ações indispensáveis para uma necessária reforma das instituições democráticas, ainda não devidamente expurgadas das máculas que a perversão autoritária e ditatorial lhes deixou.

Dentre essas deliberações, destacam-se:

a) Investigação penal e correspondente responsabilização dos agentes públicos que praticaram crimes delesa-humanidade, os quais por força de sua definiçãoo, da legislação e do costume internacional e pelo entendimento da jurisprudência das Cortes Internacionais de Direitos Humanos são insuscetíveis de graça ou anistia e são imprescritíveis;

b) Tipificação legal do crime de desaparecimento forçado e utilização de todos os recursos jurídicos domésticos e internacionais para a responsabilização dos responsáveis pelos crimes de desaparecimento forçado já praticados, como inclusive já vem sendo sugerido e indicado por diversas ações penais que o Ministério Público Federal tem iniciado no Brasil desde a divulgação da sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos no Caso Araguaia;

c) Implementação de modo obrigatório e permanente em todos os níveis das Forças Armadas brasileiras, com ênfase especial para o oficialato, de programas de formação em Direitos Humanos, devendo-se proceder a uma ampla revisão dos padrões de ensino e dos livros didáticos utilizados nas diversas escolas e academias militares, sobretudo na Escola Superior de Guerra e na Academia Militar das Agulhas Negras, ainda reféns de uma visão apologética do golpe e da longa ditadura que a ele se seguiu;

 d) Ampliação, intensificação e continuidade das ações e dos esforços necessários para que se proceda à localização dos restos mortais dos desaparecidos políticos brasileiros.

 

3) Explicitar que os valores e princípios insculpidos na Constituição Republicana de 1988 são incompatíveis com a anistia de crimes de lesa-humanidade, o que fica claro diante do reconhecimento formal do princípio da dignidade da pessoa humana como fundamento do Estado Democrático de Direito brasileiro (Art. 1°, III), da prevalência dos direitos humanos nas relações internacionais (Art. 4°, II), da condição de ser insusceptível de graça ou de anistia a prática da tortura (Art.5°, XLIII), e, sobretudo, porque a Constituição só trata de anistia com relação aos que foram perseguidos políticos pelo Estado brasileiro e não aos agentes públicos que os perseguiram (Art.8° do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias).

 

4) Descrever de modo amplo e minucioso toda a complexa estrutura repressiva montada pela ditadura, com ênfase especial à identificação das diversas instituições e órgãos públicos envolvidos, bem como das  cadeias de comando e das relações horizontais estabelecidas em todos os níveis, especificando do modo mais completo possível os nomes de todos os agentes públicos envolvidos.

 

5) Com base no diagnóstico do item anterior recomendar a realização de expurgos administrativos, procedendo à exoneração dos servidores públicos civis e militares envolvidos e vedando a possibilidade de novos vínculos com o serviço público em todos os seus níveis.

 

6) Recomendar, igualmente a partir do diagnóstico construído a respeito da cadeia repressiva, a necessária reforma das instituições públicas, com ênfase especial para o Poder Judiciário, as Forças Armadas e as Forças Policiais brasileiras.

 

7) Recomendar a urgente desmilitarização das polícias brasileiras e da implementação de um amplo e reformulado programa de formação e orientação profissional de todos os policiais brasileiros, estabelecendo com clareza inequívoca que a formação , o treinamento e a lógica militar devem ficar restritos à dimensão dos conflitos internacionais, jamais podendo ser estendidos para as ações de policiamento, de combate à criminalidade e de garantia da segurança pública dos cidadãos e da sociedade brasileira.

 

8) Recomendar a extinção da justiça militar, devendo todos os militares se submeterem amplamente à jurisdição civil.

 

9) Apoiar e endossar as ações e os esforços que o Ministério Público Federal vem realizando no sentido da responsabilização penal e civil dos agentes públicos que praticaram crimes de lesa-humanidade, da investigação em torno do esclarecimento dos fatos que cercam as diversas violações de direitos humanos praticadas pelos agentes da ditadura e da responsabilidade civil do Estado brasileiro frente a essas violações.

 

10) Recomendar a ampliação do apoio público e institucional, com destinação de verbas e estrutura condizentes ao funcionamento e ao trabalho da Comissão de Anistia e da Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos, tanto em suas atividades voltadas à reparação econômica e material das vítimas da ditadura, como às ações de reparação moral e simbólica e do resgate social, institucional e cultur l da memória política do país.

 

11) Recomendar a intensificação e ampliação dos esforços e diligências para que se proceda à abertura de todos os arquivos públicos relacionados ao período da ditadura civil-militar brasileira, com ênfase especial para os arquivos secretos constituídos pelas Forças Armadas e os documentos produzidos e mantidos pelo CISA, CENIMAR e pelo extinto SNI.

 

12) Descrever toda a cadeia civil, empresarial e midiática de apoio à ditadura, bem como as relações horizontais e verticais estabelecidas, identificando-se da maneira mais ampla possível os nomes e as ações dos envolvidos.

 

13) Reforçar as ações e diretrizes já previstas no III PNDH no Eixo Orientador VI, especialmente:

 

a) o financiamento para a construção de centros de memória e de monumentos e obras que sinalizem para a não repetição da prática dos crimes de lesa-humanidade e para o reconhecimento dos que foram praticados;

b) intensificação e ampliação de políticas e ações educacionais que garantam nos padrões de ensino e em livros didáticos voltados ao ensino em todos os níveis o devido registro da história de violações, abusos e arbitrariedades praticados pela ditadura bem como das ações e organizações de resistência a ela;

c) a produção de leis e normas que proíbam a utilização de nomes de agentes da ditadura em logradouros, monumentos e prédios públicos, bem como a alteração dos nomes já utilizados.

 

14) Recomendar que o Congresso Nacional proceda a uma ampla revisão da legislação autoritária constituída na ditadura e que ainda continua em vigor nos mais diferentes setores, com ênfase especial à Lei de Segurança Nacional, que deve simplesmente ser revogada e à legislação que estrutura o funcionamento interno das Forças Armadas, das Polícias e da própria Administração Pública. Recomenda-se igualmente a aprovação de uma Emenda Constitucional que retire do Art.142 da Constituição de 1988 o papel de garantidor da lei e da ordem atribuído às Forças Armadas.

 

15) Recomendar ao Congresso Nacional que realize uma reforma política que diminua substancialmente a possibilidade do financiamento privado de campanhas, criando-se melhores condições para que as demandas e necessidades das classes populares e não somente das elites econômicas do país possam ser atendidas, prevenindo-se igualmente o surgimento de novas políticas e legislações de caráter autoritário e violento que tendam a relativizar os direitos dos menos abastados e a reforçar de modo abusivo e desigual os interesses das elites.

 

16) Afirmar que a ausência até hoje de sanções penais efetivas contra os seviciadores é fonte de renovação da violência estatal atual.

 

17) Afirmar que a impunidade dos piores criminosos de nossa história, tentativamente renovada por juízes e tribunais, é fonte permanente de tensões e conflitos na sociedade brasileira.

 

18) Declarar inaceitável que centenas de brasileiras e brasileiros tenham negado seu direito a conhecer a verdade, os fatos, os agentes, o destino e o luto de familiares seus, como resultado planejado de ação omissão e ocultação do Estado.

19) Dizer que o conjunto destas medidas é que poderá gerar a conscientização cidadã em prol do “nunca mais”, num ambiente republicano, democrático e de soberania popular.

 

 

 

 

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