Fragmentos da ditadura: “… declaro vaga a Presidência da República! “

Presidente do Senado Auro de Moura Andrade - 1º de abril de 1964

Presidente do Senado Auro de Moura Andrade – 1º de abril de 1964

“Desprezando, contudo, a mensagem presidencial, o então presidente do Senado, o pessedista Auro de Moura Andrade, decidiu declarar a vacância da presidência da República, alegando que o presidente Goulart havia abandonado o território nacional, o que, definitivamente, não correspondia à verdade.

 

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Com aquele gesto, o presidente do Senado dava mais um passo na concretização do golpe de Estado, que, por sua vez, seria chancelado pelo Supremo Tribunal Federal, o qual, em uma sessão burlesca, realizada às 3 horas da manhã do dia 2 de abril, deu posse ao presidente do Congresso Nacional, deputado Ranieri Mazzilli. Desse modo, romperam com a legalidade constitucional não só a parcela da oficialidade militar envolvida no movimento sedicioso, como também outras instituições que deveriam resguardar o Estado democrático de direito. Nenhuma dessas ações pode ser entendida como resultante de uma percepção confusa dos acontecimentos pelos representantes do povo no Congresso ou pelos magistrados do Supremo, mas como resultado de diretrizes planejadas por aqueles atores mediante uma ação orquestrada.” p.306

 

Deputado Paschoal Ranieri Mazzilli, Presidente da Câmara dos Deputados assume interinamente a Presidência da República em 02 de abril de 1964. Governa por 14 dias.

Deputado Paschoal Ranieri Mazzilli, Presidente da Câmara dos Deputados assume interinamente a Presidência da República em 02 de abril de 1964. Governa por 14 dias.

 

“Magalhães Pinto havia tomado uma série de iniciativas que pretendiam construir uma espécie de governo alternativo, como a nomeação de três secretários sem pasta, respectivamente, José Maria de Alckimin, Milton Campos e Afonso Arinos de Melo Franco, além da mobilização da Polícia Militar mineira para a ocupação de áreas estratégicas do estado. Como explicou o próprio Afonso Arinos em suas memórias, publicadas um ano depois:

[…] em fins de março, Magalhães enviou ao Rio Osvaldo Pierrucetti, em avião especial, para buscar-me. Eu seria nomeado secretário do governo, com o fim especial de obter, no exterior, o reconhecimento do estado de beligerância, caso a revolução se transformasse em guerra civil demorada, como justificadamente receávamos.” p.305

 


 

 

“O governador mineiro havia garantido ao general Carlos Luís Guedes, comandante da 4ª Divisão de Infantaria, sediada em Belo Horizonte, o efetivo de 13 mil homens da Polícia Militar para efetuar o levante armado. Por sua vez, como deixou claro no trecho transcrito acima, por meio do acordo a ser firmado entre ele, Afonso Arinos de Melo Franco, e agentes do governo estadunidense, especialmente o embaixador Lincoln Gordon, o governo mineiro pretendia declarar-se em “estado de beligerância”. Isso para que, diante da resistência legalista de João Goulart a partir do Rio Grande do Sul, o movimento sedicioso pudesse receber ajuda de potências estrangeiras.

Seria a senha para que os Estados Unidos interviessem no Brasil, colocando em curso o plano de contingência elaborado pela inteligência estadunidense no final do ano de 1963, do qual uma parte recebeu o nome de Operação Brother Sam, hipótese não efetivada em razão da decisão do presidente Goulart de não resistir ao golpe.

O conhecimento sobre a Operação Brother Sam, revelado em muitos detalhes em 1970, evidencia-nos a existência de uma conspiração, em que elites econômicas, políticas e militares brasileiras aceitariam a hipótese de intervenção armada de uma potência estrangeira em território nacional. Sabe-se hoje que ela era só uma parte de esquema mais amplo de ingerência do governo estadunidense no processo político brasileiro, que começou muito antes do contexto de março de 1964.” p.305

 


 

 

“Por intermédio do general de brigada José Pinheiro de Ulhôa Cintra, em contato com o adido militar estadunidense coronel Vernon Walters, com destino aos portos de Recife e Santos, no dia 31 de março de 1964, foram enviados para o Brasil os seguintes equipamentos: navios-tanque da Marinha dos EUA levando gasolina e óleo, um porta-aviões, quatro destróieres, duas escoltas de destróieres e navios-tanque de força-tarefa, 110 toneladas de munição, armas leves e outros equipamentos, incluindo gás lacrimogêneo para a contenção e o controle de multidões, dez aviões cargueiros, seis aviões-tanque e seis caças … além do mencionado operativo, o plano também previa o desembarque de tropas estadunidenses no solo brasileiro … a notícia sobre o deslocamento da Quarta Frota do Caribe para a costa brasileira deu segurança aos que perpetraram o golpe de Estado.” p.305

 


 

 

“No dia 31 de março de 1964, enquanto já era pública a notícia do deslocamento das tropas de Minas Gerais para a Guanabara, no Palácio das Laranjeiras, o presidente João Goulart recebeu a visita de seu ex-chanceler e ministro San Tiago Dantas, que o informou sobre o apoio norte-americano ao movimento que visava à sua deposição. Goulart recebeu a mesma informação do ex-presidente Juscelino Kubitschek, que o visitou também naquele dia.” p.306

 


 

 

“Conforme se apurou, na conspiração que culminou na deposição do presidente João Goulart, o papel do grande setor privado nacional e estrangeiro foi decisivo, por meio da mobilização das associações de classe há muito existentes e das novas entidades da sociedade civil, criadas naquele contexto. Entre as últimas, o Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD) e o Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (IPES), de forma articulada, conformaram a iniciativa mais importante de associativismo, visando à subversão da ordem republicana e à elaboração das diretrizes seguidas pelo novo regime implantado no país a partir de abril de 1964. A associação que o cientista político uruguaio René Armand Dreifuss6 chamou de “complexo IPES/IBAD” foi muito mais do que um mero dispositivo conspiratório, constituindo-se em um espaço de elaboração de um projeto modernizante conservador realizado pela ditadura que se seguiu.” p.306

 

Trecho extraído do II Volume do Relatório Final da CNV, página 305 e 306.

 

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