Comissão Nacional da Verdade deve confirmar 400 mortes ou execuções na ditadura

Após dois anos de trabalho, a Comissão Nacional da Verdade (CNV) já conseguiu confirmar pelo menos 360 execuções ou desaparecimentos frutos das ações do regime militar no Brasil. Entretanto, segundo o coordenador do órgão, Pedro dallariDallari, a tendência é que a CNV consiga quantificar em torno de 400 o número de vítimas da repressão no Brasil.

Além disso, o relatório final do órgão começará a ser elaborado em junho e as recomendações da CNV que constarão desse documento – inclusive a manifestação sobre a revisão da Lei da Anistia – serão discutidas com a sociedade civil no segundo semestre deste ano.

Em outros países da América Latina, o número de mortos contabilizados pelas respectivas comissões da verdade foi superior. No Uruguai, a comissão identificou 51 mil execuções; na Guatemala foram contabilizados 6 mil desaparecidos e 626 mortes; na Argentina, se detectaram 9 mil vítimas e no Chile, foram confirmados quase 3 mil assassinatos. Nas outras experiências latino-americanas, houve a proposição de medidas de medidas judiciais contra torturadores e autores de homicídios contra militantes de esquerda.

No primeiro momento, conforme Dallari, a CNV adotou como critério de investigação a lista de 475 mortos e desaparecidos políticos estimados pela Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos criada pelo Ministério da Justiça (MJ).

Mas essa lista de 475 supostas vítimas foi reduzia para em torno de 360 casos (dos quais 160 desaparecidos políticos) que passaram a ser investigados pela Comissão e nos quais já houve reconhecimento de que, de fato, foram vítimas da repressão até mesmo pela Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos. Os demais casos ainda estão sob investigação.

O critério inicial de apuração de mortes levou em consideração as vítimas que eram oriundas de grupos insurgentes ao regime, mas, com os avanços nas investigações, a CNV também passou a catalogar as execuções de pessoas integrantes de movimentos sociais e sindicais igualmente vítimas do regime militar. “Mas se você pega o caso dos mortos em conflitos no campo, por exemplo, isso (número de vítimas) pode aumentar. Porque essa estatística, em geral, não inclui aqueles mortos no contexto dos conflitos entre trabalhadores rurais e movimentos sociais”, descreveu Dallari.

A intenção da CNV é disponibilizar uma espécie de ficha de cada uma das vítimas em um volume anexo ao relatório final que o órgão terá que apresentar no final deste ano. “Daí a nossa preocupação em ter o número exato (de vítimas)”, diz ele. Essa ficha terá a provável data da morte/desaparecimento, circunstâncias, entre outras informações.

“Eu acho que a Comissão está conseguindo cumprir as finalidades que foram estabelecidas para ela na lei que a instituiu. A lei que a instituiu em novembro de 2011, estabeleceu uma série de objetivos e o principal deles é o esclarecimento de fatos e das circunstâncias nos casos de graves de violações de Direitos Humanos. E a comissão ao longo desses dois anos realizou um trabalho de investigação muito consistente, muito intenso”, analisou Dallari.

Relatório final

A redação do relatório final da CNV será iniciada ainda em junho, conforme Dallari. Desde outubro, a CNV discutiu a estrutura desse relatório final e no último dia 29 de maio a entidade consolidou, no Rio de Janeiro, a estrutura desse documento.

O relatório final da CNV deverá ter 30 capítulos, distribuídos em cinco grandes partes. A primeira parte, introdutória, terá informações sobre o marco legal da Comissão, suas atividades e atribuições. A segunda parte falará sobre a estrutura da repressão no Brasil. Sobre os órgãos que compuseram ou ajudaram nessa estrutura repressiva no país durante o regime militar.

Esse capítulo falará sobre a atuação do Serviço Nacional de Informação (SNI), Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna (Doi-Codi), a estrutura de repressão nos Estados, cooperação internacional à repressão – como na Operação Condor (aliança entre vários países sul-americanos durante a ditadura) -, entre outras. Além disso, nessa parte, também serão abordadas iniciativas da sociedade como o financiamento da estrutura repressiva por entidades comerciais, por exemplo.

A terceira parte do relatório será dedicada aos procedimentos adotados por essa estrutura de repressão. Na prática, será a parte que a CNV descreverá os métodos de tortura e atos de violação de direitos humanos, explicitando as formas de tortura, modos de execução, desaparecimento forçado e ocultação de cadáveres durante o regime.

A quarta parte do relatório falará sobre as vítimas e dos grupos que foram atingidos pela repressão, como insurgentes ao regime, representantes sindicais, trabalhadores rurais, entre outros. “É uma sequência lógica. Falamos sobre a estrutura da repressão, dos métodos da repressão e quem foi alcançado pela repressão”, explica Dallari.

E a última parte do relatório final tratará sobre a reação da sociedade na época às graves violações aos direitos humanos e a resistência social através de movimentos sociais, como o comitê pela anistia e as comissões de Justiça e Paz da Igreja Católica, entre outras entidades. “Essa é uma estrutura simples, cada parte tem em torno de quatro a cinco capítulos que vão compor o conjunto do relatório”.

Lei da Anistia

Além dessa estrutura, existirão mais dois capítulos: um de conclusões e outro sobre recomendações da CNV. A parte de conclusão será uma análise da CNV sobre o regime militar e a de recomendações traçará um cenário e sugestões de políticas públicas para se evitar novas violações de direitos humanos como ocorreu na ditadura.

Sobre o capítulo de recomendações, Dallari informou que, a partir do segundo semestre, a CNV deve realizar audiências públicas para o “recebimento de subsídios” para essa tida como fundamental do relatório final. Um dos temas que serão discutidos em audiência pública é a manifestação formal da CNV relacionada à revisão da Lei da Anistia. A lei foi editada em 1979 no início da reabertura política do Brasil e teve como objetivo perdoar crimes cometidos por agentes do Estado durante o regime militar contra opositores da ditadura.

Apesar de, nos bastidores, surgirem informações que os membros da CNV sejam a favor da revisão da Lei da Anistia, Dallari disse que esse tema ainda não foi discutido oficialmente. “Tem havido muita especulação sobre isso. A comissão nunca discutiu organizadamente esse assunto. Muito provavelmente, o que nós vamos fazer e, de certa maneira, construir esse capítulo de recomendações, inclusive, a partir de subsídios da sociedade civil”finalizou Dallari.

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